Os Portais

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quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

I


Certo dia, um Guardião misturou-se entre os humanos de uma grande cidade.
Esta cidade em especial, existia no litoral. Cercada por praias de areia fina, branca e macia, era de uma beleza indescritível.

Então, neste dia, ele andava despreocupadamente por uma de suas praias, quando avistou uma moça muito bonita, sentada em um banco de pedra voltado para o mar. Consternado, ele observou que a moça trazia os ombros caídos e fixava o vazio com olhos inexpressivos, inchados e vermelhos, característicos de quem havia chorado muito.
Com movimentos fluidos para não assustá-la, o Guardião sentou-se ao seu lado, sem que a moça atinasse com a sua presença. Alguns momentos depois, ela abriu uma bolsa minúscula que trazia à tiracolo, tirou lá de dentro um lenço manchado e esfregou os olhos, que haviam voltado a marejar.

-Como alguém pode permanecer tão desesperado diante de tanta beleza?, ele perguntou para ela, esticando os braços e apontando o oceano azul a sua frente.
Retirada subitamente de seus pensamentos sombrios, a moça estremeceu de leve e olhou espantada para o Guardião.

-De onde saíra aquele estranho?, perguntou-se, fixando o rosto vincado parado a sua frente.
Durante alguns momentos observou-o detidamente, esquadrinhando a figura forte que a olhava de forma suave e compreensiva. Ela não gostava de falar com estranhos, mas sentiu-se imediatamente à vontade com ele. Expirando o ar com um leve suspiro, a moça disse, afinal:

-É somente porque o senhor não conhece minha estória! Se a conhecesse saberia que não choro à toa! Sabe, nada dá certo em minha vida!

-Gostaria de contá-la para mim? Às vezes, faz muito sentido colocarmos as dificuldades em perspectiva, para que possamos observá-las desapaixonadamente.
Ela refletiu sobre aquelas palavras por alguns momentos e enfim decidiu-se: com uma voz pausada e monótona, pôs-se a contar-lhe o que a afligia. Findo algum tempo toda sua estória estava diante dele, relatada sem interrupções. Então, parecendo bem mais serena, ela relaxou o corpo e abandonou-se sobre o banco.

O Guardião deixou que os minutos escorregassem um pouco, para que ela se recobrasse, e finalmente falou:

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-O sofrimento às vezes acontece, faz parte da condição humana passar por algumas experiências dolorosas, como por exemplo a morte de alguém a quem muito se ama. Mas, se os humanos encarassem a morte somente como uma mudança de dimensão ou estado de consciência, o que ela realmente é, a dor da separação seria bem menor. Teriam certeza que um dia voltariam a reencontrar seus entes queridos. Bem, mas fora isto, a vida na Terra pode ser maravilhosa e significativa.

-O senhor acha mesmo? E o que dizer de todas as injustiças, guerras e sofrimento que vemos no mundo?

-Estas coisas acontecem somente porque o ser humano, de um modo geral, é ganancioso, egoísta e não pratica o amor por seus semelhantes. Com certeza, se seguissem ao pé da letra as orientações dos grandes Mestres do passado
, a vida na Terra seria bem mais equilibrada do que é. Mas deixemos estas grandes questões planetárias para outra hora e voltemos para o assunto principal, sua estória pessoal.

-Tudo bem, vamos sim, ela respondeu.

-Estive observando que, apesar de muito bonita, você pensa e age de forma negativa, carregando dentro de si uma auto imagem opaca, disforme e destrutiva, que atrai para sua vida muitos acontecimentos ruins.

Ela olhou de viés para ele e engoliu em seco, pois fora pega de surpresa. Havia esperado que o homem fosse condescendente, ficasse penalizado ao ouvir suas lamentações. Mas não, o estranho a surpreendia, parece que zombava dela, dizendo aquelas coisas absurdas e sem sentido. Sentindo a raiva subir-lhe à cabeça ela respondeu
, de maus modos:

-É muito fácil para o senhor falar! Provavelmente nasceu em berço de ouro, deve ter tido tudo nas mãos, pais amorosos, vida fácil...

-Você não entenderia nada sobre a minha vida! Mas não é ela que importa, é sobre a sua que estamos falando! Pelo que me contou, parece que está sempre com os mesmos problemas que afligem a tantos outros humanos: dificuldades nos relacionamentos familiares e amorosos, problemas no emprego ou falta dele, problemas financeiros, problemas de saúde.

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-É, neste ponto o senhor tem razão. Também, pudera, desde que me conheço por gente só ouço falar em problemas, que a vida é difícil, que dinheiro não cresce em árvores, que não posso esperar muito dos meus relacionamentos amorosos pois sempre vou me decepcionar, que posso pegar um vírus no ar
e ficar doente, e outras coisas assim!

-Sua mente foi condicionada a pensar de forma muito negativa!, ele exclamou. As pessoas esquecem uma coisa fundamental: que antes de qualquer manifestação no espaço físico, a realidade do nosso mundo forma-se primeiro dentro de nós. Os pensamentos que carregamos em nossa tela mental são uma energia real e poderosa, e atraem para nossa realidade exatamente aquilo que vamos viver.

-Como assim?, ela perguntou.

-Se vamos viver experiências boas, que nos fazem felizes e plenos, ou se vamos viver experiências ruins, que nos tornam tristes e amargurados, esta escolha depende só de nós. Se não existe harmonia e paz em sua mente, sua realidade externa também não pode ser de paz! Mas você pode mudar, alterando significativamente o rumo de sua vida!
-O senhor fala coisas muito engraçadas, como auto-imagem, mente condicionada, que pensamentos viram coisas! E também observei que gosta de excluir-se da espécie humana!






-Mas eu não sou humano!







Neste ponto, ela deu uma sonora gargalhada. Porém, vendo que ele não se abalara, falou, desajeitada:
-Ah!que engraçado, não me diga! Se não é humano, o que é então!






-Venho de um outro tempo e de um outro lugar, que não a Terra!
Ela ficou sem fala, olhando para ele com olhos esbugalhados. Depois de alguns segundos, disse:
-Não acredito no senhor! O senhor é exatamente igual a mim e não existe vida inteligente a não ser na Terra!
-Pensar assim é só mais um condicionamento da sua mente, ele respondeu. Mas também não importa se você acredita em mim ou não!Quer você creia, quer não, eu existo mesmo!
E então calou-se por um tempo, deixando-a ruminar um pouco sobre as coisas que dissera. Depois, continuou:








-Vou te dar um exemplo bem claro sobre o que estou falando. No passado, quando Cristóvão Colombo procurava um novo caminho para as Índias topou com as Américas, um continente ainda desconhecido. O Brasil, então, levaria mais algum tempo para ser descoberto, não sendo conhecido por ninguém do antigo continente europeu, não é verdade?
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Sem saber aonde ele queria chegar, ela concordou:
-É o que dizem os livros de História.
-Então, posso supor que, se naquela época alguém dissesse para um habitante qualquer de Portugal que existia além-mar um país de enorme extensão territorial, cheio de riquezas naturais e habitado pelos nativos indígenas, esta pessoa seria chamada de sonhadora ou até mesmo louca, não é?
-É verdade!, ela foi obrigada a concordar.
-E aí posso concluir que, somente porque você não conhece ou ainda não viu alguma coisa, não significa que esta coisa não exista!, ele falou de forma peremptória e deu o assunto por encerrado.
Todavia, ela ficara embasbacada, sem ter argumentos eficientes para rebater. No entanto, estava também apreensiva, pois agora achava que ele podia ser ruim da cabeça, e pensou em ir embora. Mas, acima de tudo, ela não podia fingir para si mesma sobre uma questão: ficara muito curiosa e interessada na conversa do estranho. Aquela estória da auto-imagem negativa mexera com sua cabeça. E a possibilidade de alterar sua realidade? O que era aquilo? Então, sem resistir, ela falou:



-Está bem, não importa quem o senhor é ou de onde veio!A verdade é que eu gostaria que falasse mais um pouco sobre os pensamentos e a tal da auto-imagem!
-Eu também gostaria, ele disse. Mas agora tenho que ir embora!
-Ah!não,justo agora! ela exclamou, desapontada, e seus olhos voltaram a entristecer-se.
Contudo, logo em seguida, ele pousou suavemente as mãos em seus ombros e acrescentou:

-Mas não se aborreça, brevemente voltaremos a nos encontrar, e poderei explicar melhor o meu ponto de vista.
-Mas quando, quando vamos nos encontrar?
-Em breve, muito em breve. Tenha fé e aguarde.
Ela não respondeu, pois subitamente foi atingida por um sentimento absoluto de confiança, e seus olhos falaram por si mesma.
Neste momento, ele levantou-se do banco e foi embora. Quando ela virou-se para dar adeus, o estranho havia desaparecido, provavelmente engolido pela multidão que passeava pela grande avenida.

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